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America conquistou vitória e título sobre o Benfica em 1973 (Foto: Arquivo Pessoal/Sérgio Lima) |
Poucos clubes podem dar-se ao luxo de terem derrotado alguns dos maiores esquadrões da história do futebol. Especialmente quando as "vítimas" são jogadores lendários. O Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha e o Benfica de Eusébio são alguns destes times e craques quase imbatíveis. E coube ao mais que centenário America conseguir exatamente este feito: bater os "deuses do Olimpo" do futebol. Todos esses craques já ficaram, ao menos uma vez, de joelhos diante dos rubros. A "trinca" foi completada no ano de 1973 e foi preciso atravessar o Oceano Atlântico para consegui-la.
Naquele ano, o America era uma das equipes mais fortes do Rio de Janeiro e foi convidado pela empresa aérea TAP para a disputa de um mini-torneio em Angola, país africano que ainda fazia parte do território português. O adversário para buscar a taça era obviamente lusitano e seria justamente seu maior vencedor: o Benfica, de Lisboa, bicampeão europeu na década anterior. Em seu elenco, estava Eusébio da Silva Ferreira, o carrasco da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1966 e chamado pelos portugueses de "Rei", como se fazia com Pelé no Brasil. Mesmo já veterano, Eusébio ainda era uma referência que encantava qualquer fã de futebol. Portanto, uma parada duríssima.
Se o Benfica era o então campeão português e tinha na "Pantera Negra" seu artilheiro (marcou incríveis 42 gols na temporada 1972/73), o America vinha de uma quinta posição no Campeonato Carioca e tinha jogadores como o goleiro Vanderlei, o eterno zagueiro Alex, o dinâmico volante Ivo e Luisinho Lemos, que mais tarde se tornaria o maior artilheiro rubro em todos os tempos. Tudo sob o comando do técnico Amaro, também grande ídolo americano em seu passado como jogador. O desafio pelo troféu seria em dois jogos; o primeiro em Moçambique (outro território português) e o segundo em Angola. Se houvesse um vencedor diferente nas partidas, a decisão seria nos pênaltis após o segundo confronto. Depois da eliminação no terceiro turno do Carioca, o America embarcou para Lourenço Marques (hoje Maputo), capital moçambicana.
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Em Moçambique, America jogou com uma rara combinação branca (Arquivo Pessoal/Sérgio Lima) |
Estreia de branco contra Eusébio
Os confrontos serviriam como pré-temporada para os benfiquistas. O America já entrava na segunda metade de seu ano. Para o primeiro jogo, montou-se uma grande festa para receber os visitantes. Afinal, o Brasil era tricampeão mundial e um de seus representantes merecia todas as honras. Além disso, o clima era de euforia em Moçambique por causa de Eusébio, que nasceu lá e só anos depois partiu para Lisboa, onde fez história no Benfica. Portanto, a ocasião serviria para que seus conterrâneos pudessem matar as saudades do craque, que naquele ano conquistaria a Chuteira de Ouro, prêmio dado ao maior artilheiro da Europa.
Ao America, que não tinha nada com isso, lhe cabia o posto de "visita inconveniente". Os comandados de Amaro iriam obviamente querer estragar o espetáculo dos portugueses, mas a sorte acabaria sendo melhor para o Benfica no primeiro jogo, em 5 de agosto, no Estádio Salazar. As Águias ganharam por 2 a 0, gols de Eusébio e Nenê. O clube tijucano atuou com Vanderlei; Paulo Maurício, Alex, Mareco e Álvaro; Ivo, Tadeu e Mauro; Antônio Carlos, Luisinho e Sérgio Lima, com Expedito e Flecha entrando no decorrer do duelo. Assim, a conquista do troféu estava condicionada a uma vitória no duelo de volta, além de uma vantagem nos pênaltis. Portanto, nada irreversível. O maior desafio mesmo, a princípio, seriam as quatro horas de voo até o destino do novo duelo, já no dia seguinte.
Na decisão, melhor para os rubros
Em Luanda, o jogo se daria no Estádio dos Coqueiros. A camisa branca, usada no primeiro jogo, daria lugar ao uniforme vermelho tradicional, a mesma cor do Benfica. Era 8 de agosto, uma quarta-feira à noite, e o pequeno campo da capital angolana estava totalmente lotado. Os holofotes brilhavam sobre o número 10 de Eusébio, novamente a grande vedete do espetáculo. Mas a realidade é que o jogo foi equilibrado. Só aos 14 minutos do segundo tempo é que o primeiro zero saiu do placar e foi o do America: Sérgio Lima entrou pela esquerda e chutou sem defesa para o goleiro José Henrique. O 1 a 0 se manteve até o final e o jogo foi mesmo para a marca dos pênaltis.
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Antes dos pênaltis, Eusébio (camisa 10, de costas) parece pressentir o pior (Arquivo Pessoal/Sérgio Lima) |
Se, em Moçambique, todos torciam para o Benfica (especialmente Eusébio), o cenário já era diferente em Angola. Os torcedores pareciam apoiar mais o America. E embora o jogo fosse de pré-temporada para os portugueses, a ideia era vencer como se a partida valesse por um campeonato. O America aproveitou-se dessa tensão do lado adversário e bateu bem suas penalidades. Nas cobranças, melhor para os cariocas, que ganharam por 4 a 3. Coube ao capitão Alex erguer o Troféu TAP, um globo dourado com uma faixa diagonal, simbolizando o caminho entre Brasil e Portugal. Do outro lado do Atlântico, o gigante Benfica estava batido.
Depois disso, America e Benfica fizeram uma espécie de tira-teima, dois dias depois, já em caráter totalmente amistoso. Em Sá da Bandeira (hoje Lubango), interior de Angola, empate em 3 a 3. Flecha, Tadeu e Expedito marcaram para o America, com Toni, Nenê e Vitor Batista anotando para o adversário. Eusébio, novamente, jogou. Os portugueses sentiram de novo a força americana em Lisboa, quando os rubros arrancaram um 2 a 2 com o Sporting. Depois disso, o elenco voltou ao Rio para o Campeonato Brasileiro. A campanha foi fraca, com cinco vitórias em 28 jogos e uma eliminação na primeira fase. Mas o feito de bater o grande nome do futebol português ficou para sempre.
FICHA DO JOGO
America 1x0 Benfica (Pênaltis: America 4x3 Benfica)
Data: 08/08/1973
Competição: Troféu TAP - 2º jogo
Estádio dos Coqueiros (Luanda - Angola)
America: Vanderlei; Paulo Maurício, Alex, Mareco e Álvaro; Antônio Carlos (Luisinho) e Ivo; Mauro, Flecha, Tadeu e Sérgio Lima. Técnico: Amaro da Silveira.
Benfica: José Henrique; Mata da Silva, Humberto Coelho, Messias e Adolfo; Bastos Lopes (Barros) e Vitor Martins; Toni, Nenê, Eusébio e Moinhos (Vitor Batista). Técnico: Jimmy Hagan.
Gol: Sérgio Lima, 14'/2ºT (1-0)
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Alex ergue a taça: America campeão em Angola (Arquivo Pessoal/Sérgio Lima) |